O que é a alimentação intuitiva e por que é chamada de antidieta?
Vejamos.
Milhões de anos de evolução nos trouxeram até aqui.
De nômades caçadores e coletores ao modo de vida atual, a história da humanidade foi forjada por nossa capacidade de resistir a fome e usar nossa energia para obter alimento.
Nosso corpo desenvolveu ferramentas poderosas que coloca em ação ao menor sinal de risco à nossa sobrevivência.
E para ele, a fome é um desses sinais.
Então, o que acontece quando você resolve fazer uma dieta?
Seu corpo não sabe que essa é uma decisão sua, ele acha que, por alguma catástrofe climática, por uma disputa territorial ou algo assim, você teve de sair do local em que havia abundância de alimentos e está vagando em busca de um novo território.
Assim, ao restringir o consumo calórico você aciona um alarme no seu corpo que leva seu cérebro a se tornar um órgão faminto cujo objetivo primeiro é fazer você comer mais e repor seu estoque energéticos (gordura) a um patamar que ele considere seguro.
A ciência tem feito importantes descobertas que relacionam receptores de hormônios – como a grelina e a leptina – em nosso cérebro com a manutenção do equilíbrio energético dos nossos corpos.
Então, tempos um corpo moldado para garantir nossa sobrevivência estocando energia em forma de gordura e uma realidade em que a abundância alimentar torna disponível uma quantidade ilimitada de energia em todos os lugares e a qualquer tempo.
Olhando assim, parece óbvio que isso não daria certo.
Qual o resultado mais visível dessa equação que não fecha?
O aumento gradual de peso na população mundial e a epidemia de obesidade.
Mas, por trás de todos os dados e estatísticas que apontam a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública em quase todos os países, há pessoas, homens, mulheres, crianças e adolescentes que convivem com a realidade de estar em um corpo que é considerado inadequado e mesmo insalubre para os padrões atuais.
Pessoas que vivem em uma sociedade que vê a obesidade como opção de quem não quer ou não se esforça o suficiente para perder peso.
Bastaria que eles quisessem e pronto.
Seriam magros.
Essas conclusões se baseiam em alguns mitos muito difundidos sobre a obesidade e sobrepeso.
- A obesidade é uma condição autoinfligida
- O controle do peso é uma equação matemática simples. – calorias + exercícios = menos peso
- A obesidade é resultado da falta de disciplina e vício em comidas calóricas
- A obesidade somente é encontrada em países desenvolvidos devida a indústria alimentícia
- Modificações na dieta são modismos que tendem a falhar e não tem respaldo científico
- A obesidade surgiu nos últimos 30/40 anos. Não existia antes disso
- Se os pacientes não perdem peso com dieta e exercício físico é porque não estão se esforçando o suficiente
- A cirurgia bariatrica é um procedimento estético sem benefício a saúde
Todos esses equívocos levaram a American Medical Association a definir a obesidade como uma doença.
Considerar a obesidade uma doença muda a abordagem na busca de soluções que tentam minimizar os danos que a “gordofobia” tem causado nos portadores da doença.
Tira o foco do doente como causa da obesidade e coloca na doença e nos múltiplos fatores que levam a ela.
Mas no que essa conversa toda influencia nossas vidas?
Em muita coisa.
Nossa sociedade idolatra a magreza como uma virtude e não como consequência de uma vida saudáve.
Quando o foco é seu peso e não sua saúde é sinal de que algo está muito errado.
Pergunto a você:
- Quantas vezes você fez dieta ao longo de sua vida.
- Quantas vezes você atingiu o peso que se propôs?
- Manteve a perda de peso por quanto tempo?
- Quais os sacrifícios que você fez para atingir essa meta?
- Você estava feliz durante esse processo?
- Seus indicadores de saúde melhoraram?
- Você recuperou o peso novamente?
Estamos sempre pressionados a perder peso, não é mesmo?
Mas a quem interessa manter as pessoas nessa busca constante por um peso ideal que muitas vezes é incansável?
Melhor seria perguntar a quanto, e não a quem.
Segundo a empresa de pesquisa americana MARKETDATA, o “mercado da perda de peso” movimentou US$ 66,3 bilhões de dólares em 2017.
Sua busca do peso ideal é um produto muito rentável e vender essa ilusão alimenta um mercado bilionário.
Vamos analisar o ciclo vicioso de uma dieta.
É um ciclo frustrante, cansativo e que leva a um profundo sentimento de fracasso.
Por que não funciona comigo se funciona para tanta gente?
A resposta para essa pergunta são muitas e não são fáceis, mas de fato a maioria das pessoas ou desiste da dieta nos primeiros dias, ou recupera todo o peso e mais um pouco quando alcança seu objetivo.
Mesmo durante pesquisas com voluntários altamente motivados recebendo todo o apoio de uma equipe multidisciplinar a perda de peso foi de modestos 3 a 5% no final das dietas.
É nesse contexto que ganha força no mundo o conceito de alimentação intuitiva que tem como princípio 10 pilares básicos cujo objetivo principal é um pacto de paz entre nós e a comida.
Vamos entender cada um desses princípios.
- Dietas: analise todas as dietas que você já tentou ao longo de sua vida, observe que restrições você fez e onde isso lhe levou. Faça um pacto consigo de que nunca mais fará dietas restritivas.
- Fome: mantenha-se alimentado. Sim, é isso mesmo, pois a fome é um gatilho que nosso corpo usa para manter nossas reservas de energia. Quanto maior a fome, maior será sua dificuldade de manter uma rotina alimentar equilibrada e saudável. Inclua proteínas e carboidratos em todas suas refeições.
- Comida: faças as pazes com a comida e pare de lutar contra seus pratos preferidos. Quando você perceber que não existem mais proibições e que aquele alimento estará disponível para você sempre que quiser, a compulsão irá diminuir. A comida não é só aquilo que alimenta nosso corpo, é também o que nos reune e conforta em muitos momentos.
- Culpa: desafie os vigilantes do peso que moram dentro e fora de você. Diga não aos pensamentos nos quais você se culpa por não ter sido forte o suficiente para resistir aquele lindo pedaço do seu bolo de chocolate preferido. Não permita que você, seus familiares ou amigos patrulhem sua comida e lhe façam sentir culpa por gostar de comer bem. Lembre-se de que se privar dos alimentos que você mais gosta só tornam esses alimentos um gatilho para que você os coma em excesso quando perder a briga contra a fome.
- Prazer: Comer não é só se alimentar, é compartilhar, dividir e reunir. A demonização da comida lhe tira um prazer que é intrínseco à natureza humana. Dar-se ao prazer de desfrutar daquilo que gosta gera uma sensação de satisfação que muda sua relação com a comida.
- Instinto: temos mecanismos sofisticados no nosso corpo que nos avisam quando estamos satisfeitos – sim, há descobertas científicas de que os receptores de leptina podem estar viciados e de que isso tem confundido nosso cérebro sobre a saciedade – , e as dietas constantes fazem com que desaprendamos a reconhecer esses sinais. Nosso cérebro precisa de um tempo após o início da refeição para emitir os sinais de saciedade então, como lentamente, pouse o grafo no prato após cada bocado, saboreie a comida e pergunte-se se você já está satisfeito antes de se servir novamente. Em resumo, respeite seus instintos.
- Acalanto: seja bom consigo. Talvez essa seja a mais importante de todas essas diretrizes. Seja gentil consigo, entenda que seu corpo não é um objeto decorativo, ele contém sua psiquê, sua alma, seus sonhos e é dentro dele que você irá percorrer essa jornada chamada vida. Somos não só um corpo, somos emoções como solidão, felicidade, angústia, compaixão, ansiedade… Muitas vezes quando nos sentimos mau, a comida é um acalanto e negar a você esse direito somente o tornará mais solitário e infeliz. Quando você sabe que você pode se dar o prazer de desfrutar daquilo que lhe conforta e tira de cima de si o sentimento de culpa, a compulsão alimentar vai diminuindo. Mas sempre que você sentir que essas emoções se tornam constantes e atrapalham sua qualidade de vida, busque ajuda. A depressão é um doença grave e você precisa de ajuda médica para lutar contra ela.
- Respeito: respeite seu corpo. Se olhe no espelho com franqueza e bondade, observe os corpos de sua família, de seus pais, tios e primos. Essa é sua herança genética, tentar fugir disso só lhe trará frustração. Devemos buscar tornar o corpo que temos o mais saudável, forte e flexível possível para que ele possa nos suportar na jornada da vida. Respeite-se, se você calça 37, você não anda por aí em um sapato 35.
- Movimento: mova-se, ande, saia com o cachorro, volte a pé para casa se puder, vá a um parque no final de semana, passeie com os filhos, ande de bicicleta, alongue-se… manter-se em movimento não significa só ir à academia, significa não ficar o tempo todo sentado no trabalho ou na frente da televisão. Quanto mais nos sentimos desconfortáveis em nosso corpo menos vontade temos de sair, mais tempo passamos fechados longe do sol, mais tempo passamos sozinhos e maior se torna nossa angústia. Liberte seu corpo da prisão que impuseram a você.
- Saúde: Faça escolhas alimentares que respeite sua saúde e seu paladar. O comer intuitivo é um processo de respeito, cuidado e autoconhecimento. Cuidar de seu corpo tendo como objetivo sua saúde e seu bem estar físico e psicológico pressupõe que você cuidará de que sua alimentação supra suas necessidades nutricionais sem abrir mão do prazer. O equilíbrio entre essas necessidades, o ganho de saúde e o prazer é fruto do caminho que você irá percorrer e não seu objetivo final.
Quer ouvir tudo isso da boca de alguém que sabe muito bem do que está falando?
Assista esse vídeo da diva Sophie Deram. Ela é maravilhosa.
Só o ponto de vista de uma nutricionista não basta para convencer você?
Então vejamos o que Claudia Feitosa-Santana, pós doutorada em neurociencias pela Universidade de Chicago, doutorada em neurociencia e comportamento pela USP, e mestra em psicologia experimental também pela USP tem a dizer.
Sim, a CozinhaSincera já escreveu muitos posts sobre dietas.
Eles foram escritos com cuidado e visando contribuir para o bem estar de seus leitores, mas um blog é uma construção de conhecimentos que se dá em camadas e, conforme estudamos e aprendemos mudamos a forma de olhar a realidade.
Vejam alguns desses posts:
- 7 DIETAS POPULARES, SEUS PRÓS, CONTRAS E O QUE A CIÊNCIA TEM A DIZER SOBRE ELAS
- 7 dicas para perder peso que você não deve seguir
- Carboidratos e sua importância na manutenção de nossa saúde
Se você digitar “dieta” na caixa de busca do bloque terá acesso a outras publicações que abordam o mesmo tema.
Fontes:
- Alimentação Intuitiva
- Controle de apetite e regulação do balanço energético no mundo moderno: cérebro controlado por recompensa substitui sinais de saciedade
- Grelina e obesidade: identificando lacunas e dissipando mitos. Uma reavaliação.
- PRECISAMOS FALAR DE GORDOFOBIA
- Avanços recentes no entendimento da sinalização e resistência à leptina.
- American Medical Association decide que a obesidade é agora considerada uma doença
- Um mercado de peso
- 12 nutricionistas explicam por que dietas não funcionam e o que fazer em vez disso
- Argumentos para chamar a obesidade de uma doença nº 4: resposta limitada a tratamentos de estilo de vida
Espero ter contribuído.
Abraços sinceros, Sheila.